█ Uma estória sobre um deputado e seu assessor parlamentar


“No ano de 2040, um pesquisador consultando velhos arquivos da Câmara dos Deputados, em Brasília, encontrará um documento biográfico sobre um determinado deputado escrito trinta e poucos anos antes por um escriba da casa encarregado de relatar para a posteridade a biografia dos parlamentares que por ali passaram, que, por força do destino, havia caído atrás de uma estante onde permanecera escondido até então” – falou-me o médium em um tom baixo e de forma pausada.


Isto me foi segredado há alguns dias por um médium, vidente famoso, que conheço desde longa data e que tem fama de acertar sempre tudo aquilo que prevê.


O documento biográfico, cuja síntese psicografada pelo referido médium apresento neste texto, menciona que ali, em Brasília, no final da década de 1990 e durante a década de 2000, vivia um deputado tido como muito honesto, conhecido por seus eleitores como ‘mito’ e que, em certa ocasião, foi abordado por um jovem estudante de Ciências Políticas na saída da Câmara. O jovem demonstrou-lhe o desejo de ser seu assessor parlamentar e discípulo, pois, além de admirá-lo muito, almejava seguir também a carreira política.


Após ouvi-lo por algum tempo e fazer-lhe algumas perguntas para investigar seu nível intelectual, seu caráter e seus objetivos, o deputado aceitou, por fim, tomá-lo por assessor parlamentar e discípulo.


Entretanto, alertou-o de que antes de conseguir seu intento, ele deveria submeter-se a quatro provas: a da Terra, a do Ar, a da Água e a do Fogo. O parlamentar, que havia sido oficial paraquedista e guerreiro de selva no passado, resolvera submeter seu aprendiz a um teste, como aqueles a que ele mesmo se submetera durante sua vida militar, para ver se o jovem tinha mesmo vocação e força de vontade para empreender aquilo a que se propunha. 


A Prova da Terra – segundo disse o deputado- consistiria em deixá-lo encarcerado em uma caverna por vários dias para que, na escuridão e no silêncio daquele ambiente, fizesse uma séria reflexão sobre a necessidade de o ser humano eliminar a ignorância e o erro, as superstições e o preconceito, que mantêm aprisionados o espírito e a consciência.


A Prova do Ar – conforme falou o deputado – consistiria em levá-lo a uma alta montanha em um dia de mau tempo, para que naquele ambiente rarefeito e ao sabor das intempéries ele entendesse que a vida, como o ar, está sujeita a contínuas flutuações e a contraditórias variações. O ar, fonte da vida humana com as suas correntes, agitações e estagnações, possuiria um paralelo com o progresso dos indivíduos e dos povos. O progresso era o avançar coletivo, que encontraria obstáculos a vencer. Como o mau tempo que é sucedido pela calmaria, após as revoluções do progresso viria, sempre, uma esperada paz das instituições libertadas.


A Prova da Água – afirmou o deputado – consistiria em conduzi-lo em uma embarcação ao alto mar e atirá-lo pelo costado do barco ao oceano, amarrado em uma corda. O oceano, como um símbolo do povo, embora inerte na calmaria, é agitado e revolto pelo movimento que lhe dá o vento. A sua instabilidade e a sua fúria retratam os caprichos e as vinganças cruéis de um povo desordenado. Suas correntes são como às da opinião popular e o político patriota, para servir ao povo, deve arriscar-se a ser esmagado pela sua fúria cega, como um marinheiro tragado pelas ondas do mar.


A quarta e última prova, a do Fogo – segundo as palavras do deputado- consistiria em fazê-lo atravessar uma fogueira cujas chamas purificadoras traduziriam a aspiração, o fervor e o zelo de trabalhar, com dedicação, pelas causas em que se empenhasse; principalmente, aquelas relacionadas com o bem-estar do povo.


O jovem aceitou, sem vacilar, a condição estabelecida pelo deputado, naquela ocasião já considerado como um verdadeiro mestre pelo candidato a assessor parlamentar. Vencidas as quatro provas, o neófito passou a acompanhar o deputado em todos os momentos do dia. Observava como este se portava no trato com as pessoas, como se conduzia nas vezes em que era solicitado pelas autoridades para algum conselho ou opinião e ouvia-o, atentamente, quando este fazia seus pronunciamentos na câmara, muitas vezes sendo vaiado e apupado pelos políticos de esquerda que lhe faziam oposição, em sua maioria respondendo a processos criminais na justiça, interrompidos graças ao foro privilegiado de que desfrutavam. Por vezes o deputado era visto pelo assessor como um verdadeiro Davi, enfrentando sozinho diversos Golias.


O assessor pôde perceber que aqueles pronunciamentos que o mestre fazia no plenário, iam, em sua maioria, contra as verdades preestabelecidas, reconhecidas e adotadas pelos demais parlamentares que lhe faziam oposição, que eram maioria e formavam a base de apoio do governo de esquerda no poder. Em certa ocasião o assessor, comentou aquele aspecto da questão com o deputado e mestre, ouvindo, então, deste, o seguinte argumento:


– Meu caro assessor e aprendiz, você me chama de mestre e todo mestre é aquele que ensina. O que é versado em alguma ciência ou arte, o que serve de base ou de guia. Na essência da reflexão, o verdadeiro mestre é aquele que é senhor de si mesmo. Alguém com um espírito diferenciado cuja vida tem o sentido de ensinar, seja por palavras, por ações ou por exemplos.


Ser um mestre extrapola a própria definição da palavra. É mais do que apenas um adjetivo, sendo uma condição que se exerce. O verdadeiro mestre possui a tarefa de educar, de dar rumo, direção e sentido, tanto para a sua vida quanto para a dos seus discípulos. Sempre que nos posicionamos contrários aos conceitos ou verdades, anteriormente estabelecidos, apresentando novas maneiras de visualizar e entender antigas questões, somos alvo dos preconceitos, dos sectarismos e das discriminações.


Desta forma, para continuar sendo um verdadeiro mestre, é preciso ter coragem, determinação e ousadia para desafiar o sectarismo, a ignorância e os eventuais interesses contrariados. Ser um aprendiz, por sua vez, é ser um incansável pesquisador objetivando aprender um pouco mais a cada dia. O grande desafio do aprendiz, entretanto, é o de colocar em prática o conhecimento adquirido; em suma, transformar-se em um mestre. Muitos aprendizes, egoisticamente, continuam aprendizes para sempre. Não têm a intenção nem a pretensão de ensinarem aquilo que aprenderam para novos aprendizes, cortando, por assim dizer, a corrente da transmissão do conhecimento.


Muitos mestres, embora cumprindo a sua missão de ensinar, continuam, também, sendo eternos aprendizes. Pensam como aquele antigo filósofo grego que disse: – Apenas sei que nada sei!


Reconhecem estes mestres – continuou o deputado – que a vida é um eterno aprendizado e que tudo aquilo que venham algum dia a conhecer será, sempre, apenas uma gota no vasto oceano do que existe para ser conhecido.


 Por outro lado, existem os bons e os maus mestres. Não apenas no sentido de que uns possam transmitir seus ensinamentos melhor do que outros; mas, porque, se existem mestres que ensinam apenas virtudes, existem aqueles que ensinam virtudes e vícios e também os que ensinam apenas vícios.


A evolução, de uma maneira geral, ocorre dialeticamente. É necessária a existência do contraditório para que se chegue à verdade ou o mais próximo possível dela. A tese e a antítese são as duas vertentes que possibilitam a síntese, que é um passo adiante de ambas; ou seja, um estágio superior de evolução.


Esta é a razão de existirem vícios e virtudes no “equipamento de sobrevivência” com que nós, os seres humanos, fomos dotados previamente, pelo Criador, para sobrevivermos em um meio inóspito como o da Natureza do nosso planeta.


O Criador, por sua vez, não estabeleceu nenhuma discriminação entre as suas criaturas; se olharmos com uma perspectiva de múltiplas encarnações ou de múltiplos retornos. Sob esta ótica, todos os espíritos têm, portanto, as mesmas chances de evolução, sem a premência do tempo. Ora nascendo como homens, ora renascendo como mulheres; ora vindo saudáveis, ora retornando enfermos; ora surgindo belos, ora apresentando-se feios; ora vivendo ricos, ora existindo como pobres, etc.


Desta forma, as mesmas oportunidades serão concedidas a todos, em épocas e lugares diferentes, para que extraiam destas múltiplas existências os ensinamentos que lhes permitirão seguir evoluindo continuamente.  Não devemos desperdiçar as nossas existências e as experiências que estas nos proporcionam, aproveitando-as, ao máximo, em busca do nosso progresso espiritual. Com estas últimas palavras, o mestre e deputado finalizou a sua explanação.


O assessor, que já havia sido inoculado pelo vírus do marxismo na faculdade onde estudava, meditando no que o deputado havia dito, pensou consigo mesmo:


 – “Se existem, realmente, múltiplas encarnações, eu posso muito bem deixar para a próxima o aprendizado que pretendia obter nesta. Considerando a perspectiva da imortalidade da alma e a infinitude do tempo, uma existência a mais ou a menos não fará a menor diferença para a evolução do meu espírito! Nesta eu posso aproveitar ao máximo o ‘toma lá dá cá’, que vejo sendo realizado diariamente nesta casa pelos políticos da base governista. Vou procurar um deputado de esquerda para assessorá-lo, pois terei com ele muito mais oportunidades de ganhar algum dinheiro do que seguindo este meu deputado que é totalmente honesto”.     


Assim, tão logo o expediente da Câmara terminou naquele dia, o assessor, sorrateiramente, apanhou as suas coisas pessoais e deixou, para sempre e sem mesmo olhar para trás, o gabinete que por tanto tempo dividira com aquele deputado honesto, tomando o rumo do restaurante da câmara onde ouvia o som de música e vozes femininas das integrantes das várias mídias que apoiavam o governo de esquerda no poder. Ali no restaurante acabou conhecendo um deputado de esquerda que, após uma noitada regada a uísque e garotas, lhe prometeu uma vaga em sua assessoria parlamentar.


Anos depois aquele deputado honesto veio a tornar-se Presidente da República com mais de 57 milhões de votos. O jovem assessor, tendo conseguido mais tarde atingir seus objetivos e entrar para um partido político de esquerda, foi eleito vereador em um município próximo da capital. Pouco depois elegeu-se deputado e, hoje, responde a diversos processos por malversação de verbas públicas, tráfico de divisas, sonegação de impostos e formação de quadrilha.


– “O antigo assessor, hoje deputado, só não foi preso, ainda, enquanto redijo este documento, em razão de uma imunidade parlamentar alegada nos autos por seus advogados, pagos todos com recursos públicos” – afirmava o escriba da câmara em sua biografia sobre a vida do ex deputado honesto eleito presidente, extraviada durante tantos anos na biblioteca da Câmara, segundo mencionado no resumo psicografado pelo médium meu amigo.


O médium não entrou em detalhes sobre como via o período de governo do ‘Mito’ como presidente; mas, considerando a sua capacidade de vidência, o fato de ser eleitor de Jair Bolsonaro e o largo sorriso com que terminou a confidência que me fez, acredito que soubesse de ‘algunas cositas mas’ que, no entanto, resolvera saborear sozinho…

 

 

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