█ A Liberdade nos Dias Atuais

O vocábulo liberdade, segundo alguns autores, possui três significados fundamentais, correspondentes a três concepções filosóficas que se sobrepuseram ao longo da história, e que podem ser caracterizados da seguinte maneira:


1. Liberdade como autodeterminação, ou autocausalidade, segundo o qual a liberdade é a ausência de condições e de limites;


2. Liberdade como necessidade, o qual se baseia no mesmo conceito anterior, a autodeterminação; porém, atribuindo-o a totalidade a que o homem pertence (seja ao mundo, a substância, ao estado); e, por último,


3. Liberdade como possibilidade ou escolha, segundo o qual a liberdade é limitada e condicionada; isto é, finita.


Assim, as disputas metafísicas, morais, políticas, econômicas, etc., em torno da liberdade, são dominadas pelos três conceitos em questão; aos quais, portanto, podem ser remetidas as formas específicas de liberdade sobre as quais essas disputas versam.


Segundo a primeira concepção de liberdade (absoluta, incondicional, sem limitações ou graus), é livre aquele que é causa de si mesmo. Sua primeira expressão encontra-se em Aristóteles, que afirmava que tanto o vicio quanto a virtude dependem de nós e que nas coisas em que podemos dizer sim, também podemos dizer não. Assim, o homem seria o principio e o pai de seus atos, bem como de seus filhos, no dizer de Aristóteles. A Igreja Católica, posteriormente, esposou a filosofia aristotélica, principalmente para justificar o livre arbítrio e a noção de pecado.


Os Estoicos admitiam que, apenas, eram livres as ações que tinham, em si mesmo, causa ou principio. Assim, só o sábio era livre e todos os demais eram escravos, pois a liberdade era autodeterminação, enquanto a escravidão era falta de autodeterminação.


Vários filósofos, ao longo da história, defenderam a tese de que a autodeterminação era a definição de liberdade. Platão, entretanto, foi o primeiro a afirmar que da demasiada liberdade, concedida pelo regime democrático, nasciam tanto as tiranias quanto a escravidão.


A segunda concepção fundamental de liberdade identifica-a como necessidade. Esta concepção é muito parecida com a primeira. Sua origem está nos Estoicos, para os quais a liberdade consistia na autodeterminação e, portanto, apenas o sábio era livre. Mas, porque razão ele era livre? Porque vivia em conformidade com a Natureza, conformando-se à ordem do mundo, ao destino.


Para o grande filósofo Spinoza, só Deus era livre, pois só Ele agia com base nas leis de Sua Natureza e sem ser obrigado por ninguém, ao passo que o homem como qualquer outra coisa era determinado por necessidades de Natureza Divina e podia julgar-se livre, somente, por ignorar as causas de seus desejos e vontades.


Enquanto as duas primeiras concepções de liberdade possuem um núcleo conceitual comum, a terceira concepção de liberdade não recorre a esse núcleo porque entende a liberdade como medida de possibilidade; portanto, escolha motivada ou condicionada. Livre, nesse sentido seria quem possuísse, em determinado grau ou medida, determinadas possibilidades. Platão foi o primeiro a enunciar que as almas, antes de encarnar, eram levadas a escolher o modelo de vida a que posteriormente ficariam presas. Assim, a maior parte das almas escolheria a sua vida de acordo com os costumes da vida anterior. Este conceito determinístico foi completamente esquecido até a idade contemporânea, em razão da noção de livre arbítrio dominante durante o final da antiguidade e a idade média.                          


 Desta forma, na idade contemporânea, o conceito assumiu o aspecto de negação da liberdade de querer e da afirmação da liberdade de fazer.


Na atualidade, abstraindo-se do conceito metafísico de Platão, destaca-se o fato de que a liberdade humana é situada como enquadrada no mundo real; isto é, uma liberdade condicionada, uma liberdade relativa.


Hoje, assim como nos tempos em que à noção de liberdade no mundo moderno foi formulada, esta é uma questão de medida, de condições e de limites. Isso em qualquer campo, desde o metafísico e psicológico, até o econômico, jurídico, político e social.


As relações entre as nações, na era da globalização, impedem, muitas vezes, a mobilidade de fatores de produção, como trabalho (veja-se, por exemplo, o caso da proibição à entrada de trabalhadores mexicanos nos EUA e de sul-americanos, africanos e asiáticos na Europa) e capital (na atualidade, sujeito a regras para transitarem entre os vários países); estabelecem quotas de produção e de exportação entre os países, barreiras alfandegárias, tarifas de importação, além de restrições à imigração e à emigração.


Com isto, a liberdade de escolha por parte dos indivíduos, para decidir sobre suas próprias vidas, seus destinos e seus futuros, é reduzida; sem falar em outras imposições de ordem religiosa, legal, social e política, existentes em muitos países do mundo, que fazem com que milhões de seres humanos sejam impedidos de exercitar as chamadas Instituições Estratégicas da Liberdade, como a liberdade de pensamento, de consciência, de imprensa, de reunião, de ir e vir, etc. Assim, milhões de seres humanos têm impedidas suas possibilidades de escolhas nos campos cientifico, religioso, político, social e econômico.


Por outro lado, na era da tecnologia em que o ser humano é controlado e vigiado, a nível local, regional, federal e mundial por meios eletrônico-digitais sem que disto tenha ciência ou se dê conta (via satélites, através de grampos telefônicos, escutas, filmagens, reconhecimento facial, controle da movimentação física e financeira via cartões de crédito, passaportes com chips contendo GPS, extratos bancários, declaração do imposto de renda, etc.), além de leis, decretos, normas e regulamentos que dispõem sobre o que podem e o que não podem fazer os cidadãos, tornam o conceito de liberdade, como o formularam alguns filósofos do passado, nada mais do que apenas uma simples curiosidade histórica.


Embora as Constituições modernas afirmem que os indivíduos nascem livres, isto não deixa de se constituir em uma figura de retórica, pois sabemos que, na atualidade, populações mundiais inteiras são mantidas na escravidão e na miséria, apenas em razão de objetivos geopolítico-estratégicos e econômicos, das grandes potências; o mesmo acontecendo com populações locais mantidas na miséria por oligarquias nacionais, egoístas, venais e corruptas.


Tanto se acreditarmos (como fazem os espíritas), que nossa existência atual foi planejada antecipadamente por nós mesmos, em outro plano de existência; quanto se acreditarmos que não (como fazem os cristãos), racionalmente, não podemos afirmar, nem comprovar, que tivemos liberdade de escolha para decidir sobre nossa concepção, sobre nossa aparência física, sobre nosso caráter, sobre nossa inteligência, sobre o local de nosso nascimento, sobre o dia de nossa morte, etc.


Os grandes parâmetros que norteiam e nortearão nossas existências, continuam sendo determinados de forma exógena. O conceito de Livre Arbítrio, que pressupõe plena liberdade de escolha pelos indivíduos, adotado pelos pensadores cristãos apenas para justificar a existência do pecado, como já mencionado, ignora, por sua vez, a existência dos reflexos condicionados, a influência do meio social sobre a formação do caráter individual, a influência da mídia e da propaganda na condução da opinião pública; bem como, as leis, normas e regulamentos que devem ser integralmente respeitados e cumpridos, nós concordemos ou não com eles.


Spinoza, em minha opinião, foi o único filósofo a expressar o verdadeiro conceito do que seja liberdade, liberdade esta sem limites, como a que possuía o homem primitivo e que não é e nem nunca mais será alcançada pelo homem atual.


Assim, conforme mencionado, com a extinção oficial da escravatura no mundo, todos os cidadãos passaram a ser aparentemente livres; embora saibamos que não exista livre transito de pessoas pelo mundo; que existam conselhos regionais que regulamentam as profissões, bem como sindicatos por categorias profissionais que impedem o livre exercício das profissões; que todos devem cumprir as leis; que não podemos fazer justiça com as nossas próprias mãos; que as economias monetárias obrigam o cidadão ao uso do dinheiro para conseguir aquilo de que necessita para sua sobrevivência e que esse dinheiro é conseguido, pela maior parte da população mundial, através do trabalho (em sua maioria assalariado); que a vida moderna em sociedade impede que qualquer um seja autossuficiente; que existem os cartórios de distribuição de ações cíveis e criminais; serviços de proteção ao crédito; documentos de identificação individual; passaportes para sair do país; obrigatoriedade do serviço militar; contratos estabelecendo direitos e obrigações; etc. Todas estas obrigações legais e institucionais impedem que os indivíduos saiam fora daquilo que os governos estabelecem como normas necessárias para a convivência social, ou, em outras palavras, o chamado Contrato Social definido por Jean-Jacques Rousseau.


Com isto, ninguém é livre para deixar o país sem um passaporte e sem estar quite com a Receita Federal. Ninguém pode exercer uma profissão de nível superior sem haver concluído curso regular reconhecido e pertencer a algum Conselho Profissional; o mesmo vale para inúmeras outras profissões, nas quais o trabalhador deve ser sindicalizado. Existe até uma contribuição sindical obrigatória, na legislação trabalhista e um piso salarial profissional. Ninguém pode promover justiça, por si mesmo, nem violar as leis. As relações jurídicas entre pessoas e instituições, quase sempre, são regidas por contratos que rezam direitos e deveres, etc.


Assim, a tão falada liberdade plena de fazer e de agir, como a que já existiu no passado primitivo é, hoje em dia, relativa. Como um canário na gaiola, a maioria dos seres humanos é livre para decidir apenas sobre pequenas coisas em suas vidas particulares, mas não sobre coisas realmente importantes para si mesmo e para os destinos de seu país e do mundo.


Dan Brown em seu livro ‘A Fortaleza Digital’ publicado em 1998 (Editora Sextante) afirma que o governo norte-americano mantém espalhados pelo mundo, diversos centros secretos de coleta de informações digitais (telefone, fax, internet, SMS, etc.), que são mantidas arquivadas em redes de computadores com enorme capacidade de armazenamento de informações.


Naquela ocasião, segundo Dan Brown, ainda faltava capacidade técnica-operacional para processar, com proveito, toda aquela massa de informações que era coletada diariamente, em várias línguas, provenientes de vários países. Entretanto, nestes últimos 18 anos a situação deve ter evoluído sensivelmente, com a contratação pelo governo americano de grandes contingentes de pessoal habilitado em línguas estrangeiras, para traduzir e utilizar adequadamente todo esse material, em benefício daquele governo e de entidades privadas norte-americanas. Outros países fazem o mesmo, como, por exemplo, a China, a Rússia e diversos países europeus, asiáticos e americanos.


 Satélites, colocados em órbita da Terra, fotografam e filmam os locais mais inóspitos do planeta, espionando bases militares, acampamentos guerrilheiros, frotas marítimas, fronteiras terrestres, colheitas agrícolas, áreas desmatadas e construções irregulares não autorizadas pelas autoridades governamentais.


O Uso de GPS e de ‘chips’, implantados estes no corpo das pessoas ou colocados em passaportes, veículos, etc, possibilitam a localização, respectivamente, de veículos e de pessoas em qualquer parte do globo. Da mesma forma, o rastreamento de gastos com cartões de crédito permite a localização de correntistas, onde quer que se encontrem.


Como podemos ver a vida humana, nos dias atuais, está mais para uma servidão consentida em uma ditadura das regras, dos regulamentos e das leis estabelecidos pelas elites, do que para uma liberdade de ser, de estar e de fazer, como aquela da qual já desfrutaram algum dia, nos primórdios da vida na Terra, os nossos ancestrais.


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