█ 19 DE ABRIL DE 1648


O dia 19 de abril consta no calendário da Força Terrestre como o do nascimento simbólico dessa Entidade Militar. Vou-me referir, apenas, à Instituição ainda nascente, para prestar reverência à atuação dos que se mantiveram, há trezentos e setenta e cinco anos, comprometidos com a defesa da terra, e compromisso é algo a ser cumprido por dever moral.


Se, armas sofisticadas, teorias ultramodernas de ataque e de defesa, complexos quadros esquematizados em telas grandiosas que, sequer, existiam, por serem inimagináveis, à época, havia, porém, a disposição de um valente grupo com armamento precário, outras, primitivas, como as flechas indígenas, sem teorias, sem esquemas avançados, mas que pusera no coração o ardor da fé na vitória e, não, asas nos calcanhares, para debandar ao primeiro aperto.


Foi a primeira vez que se ouviu referências à palavra “Pátria” e foi a primeira vez que a terra brasileira, como colônia, foi defendida, com sentimento patriótico, conforme o documento assinado pelos comandantes defensores:

“Nós abaixo assinados nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar a todo o tempo que for necessário, com toda ajuda de fazendas e de pessoas, contra qualquer inimigo em restauração da nossa pátria, para o que nos obrigamos a manter todo o segredo que nos convém…”*


Notável contingente que se distinguiu pelas ações de ataques para defender a “Pátria” e não se deixou abastardar pela conivência com os holandeses. Se os combatentes de então falam em “restauração”, que é o retorno a uma situação de origem, e, se o Brasil era colônia, entende-se que já existia, em cada íntimo, a concepção de terra livre, soberana, portanto, de solo pátrio.


Um grupo de homens determinados venceu um inimigo audacioso, bem municiado, composto de mercenários, e ficou na História por defender a Pátria que foi assim batizada, naquele instante, antes da refrega. A coragem do miscigenado grupo liderado pelos Mestres de Campo, André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira; pelo Capitão-Mor dos índios, Antônio Felipe Camarão; e pelo Governador dos pretos, Henrique Dias foi observada, comentada e transmitida em carta pelos batavos ao seu governo. Diz o signatário, o Conselheiro Van Goch:


“Compõem-se de brasileiros, tapuias, negros, mulatos, mamelucos, nações todas do país e também de portugueses e italianos, que têm muitas analogias com os naturais quanto à sua constituição, de modo que atravessam e cruzam matos e brejos, sobem os morros tão numerosos aqui e descem tudo isso com uma rapidez e agilidade notáveis.”**


Palavras endossadas pelos comandantes holandeses que foram vítimas das emboscadas do português Antônio Dias Cardoso, o grande estrategista da batalha. Atraiu-os para os mangues que lhes dificultaram a resistência devido aos pesados uniformes e arcabuzes, clavinas – as carabinas da época – e mosquetes. Davi venceu Golias pela Inteligência e, pela inteligência, Dias Cardoso chamou a si os inimigos para derrotá-los no campo por ele escolhido e desconhecido dos invasores. As tocaias do português foram fatais aos neerlandeses.

Mais um dia 19 de abril! Mais uma vez se elevam os nomes daqueles que deixaram exemplares modelos de retidão à sentimentalmente recém-nascida “Pátria”. Se era assim que viam a terra colonial, era assim que seria defendida.

Que o exemplo desses abnegados homens não seja apenas lembrado numa data, mas vivenciado a cada dia! Que o nome “Guararapes” não seja usado, apenas, nos malabarismos retóricos como falso apelo argumentativo; que não seja apontado, unicamente, como o local de cenas heroicas porque dramáticas, contra invasores numericamente superiores e equipados com as armas nas quais o dinheiro da Companhia das Índias Ocidentais investia!


Que a Pátria, outrora utópica, seja hoje respeitada como a Pátria conquistada em 1822 e não vilipendiada por quaisquer que sejam motivos e interesses!


*OLIVEIRA, Aileda de Mattos. Mobilidade e Implantação. Como a Língua Portuguesa sobreviveu à Língua Geral, Editora Luzes, 2012, p. 148. In: MONTEIRO, Sérgio Pinto. A Pátria e o Exército: a origem comum (http://www.clubemilitar.com.br/pdf/artigos/origem.pdf
**OLIVEIRA. Idem, p.99. In: SOUZA JUNIOR, Antônio. Do Recôncavo aos Guararapes. Biblioteca do Exército, 1998, p. 121. Dr.ª em Língua Portuguesa. Acadêmica Fundadora da Academia Brasileira de Defesa (ABD); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Colunista do Jornal Inconfidência. ADESG, 2008; ESG, 2010

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