█ A Vaidade das nossas autoridades

Diz antiga lenda que o Rei Salomão, após se atentar para todas as obras dos homens debaixo do sol, percebeu que tudo era vaidade e os esforços dos homens eram tão vãos quanto correr atrás do vento; inclusive, Salomão introduz o seu livro dizendo: “Vaidade de vaidade, diz o Pregador; vaidade de vaidade, tudo é vaidade” (Eclesiastes 1:2). Com estas palavras, Salomão lembra que tudo é efêmero, é passageiro como o vento, é temporário, é transitório. O vocábulo vaidade, em hebraico, pode ser traduzido também como fugaz ou ilusão.


A vaidade referida por Salomão possuiria várias conotações: a dos bens terrenos, a da sabedoria humana, a do esforço e das realizações, a da própria vida, a da inveja, a do egoísmo e do poder, a da cobiça, a das riquezas e a das acumulações humanas.


Por sua vez, o escritor português Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1763), em um gesto premonitório, talvez tenha sido um dois primeiros a escrever um quase tratado sobre este vício que predomina entre grande parte das autoridades brasileiras atuais. Seu livro tinha por título: Reflexões sobre a vaidade dos homens.


Mathias Aires inicia o seu livro, dizendo: “Sendo o termo da vida limitada, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais do que nós mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova do que a fábrica de um elevado mausoléu”?


“No silêncio de uma urna depositam os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais, querem que a suntuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito. Que frívolo cuidado”!


“Esse triste resto daquilo que foi homem, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio, que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria e desta declara a inscrição o nome e a grandeza. A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura”.


Qualquer um que tenha convivido em nosso país, nas três últimas décadas, com determinadas autoridades dos três poderes da República ou dos Estados da Federação, melhor do que ninguém poderá confirmar a assertiva de que estão convencidas de que a relevância presumida do cargo ocupado e a certeza de ser considerada uma autoridade, por si só, confere merecimento valor e saber a quem não tem nem saber, nem valor nem merecimento.


Quase sempre, o simples fato de serem consideradas autoridades da República ou dos Estados da Federação traz impunidade aos crimes por elas praticados em virtude dos foros privilegiados de que desfrutam, fazendo com que suas soberbas, arrogâncias e altivez, assemelhem-se, aos olhos dos homens comuns, coisas normais, naturais e justificáveis.


Imaginam estes figurões que tudo lhes é permitido e que estão acima das leis, elaboradas que foram estas, apenas, para enquadrar as pessoas comuns e não as autoridades em que elas se constituem.


O excesso de benefícios que desfrutam, em razão dos cargos que ocupam, quase sempre, foram maquinados e aprovados por eles mesmos, usando dos poderes discricionários que usurparam ao longo do tempo, sem resistência maior por parte da nossa sociedade.


Esquecem estes brasileiros que dela abusam que as autoridades, em todos os lugares e em todas as épocas, foram, sempre, em tese, instituídas pelas sociedades para enobrecerem as ações ilustres e não para ilustrarem as viciosas, para que elas sejam escravas da razão e não déspotas da insensatez, da imprudência, da precipitação e da vaidade.


As autoridades nada mais são do que servidoras do povo e não o contrário, como elas insistem em fazer com que todos acreditem.


O que mais notamos, da parte destas autoridades é o tradicional: – você sabe com quem está falando?


Recentemente um guarda municipal foi destratado e ofendido em sua dignidade por um magistrado em plena via publica, apenas, por cumprir com o seu dever de pedir-lhe que colocasse a máscara protetora contra o vírus Sars Cov 2, que assola o nosso país e cujo uso nas cidades é obrigatória.


Quase todos os dias a Mídia noticia alguma demonstração de vaidade partida de alguma autoridade, seja não aceitando ficar nas filas de embarque dos aeroportos, seja não querendo submeter-se aos aparelhos de raios x, seja retendo a aeronave para poder embarcar em razão de ter chegado atrasado ao aeroporto. Em algumas repartições públicas várias autoridades possuem funcionários cuja missão é a de afastar-lhes a cadeira quando vão se sentar ou então segurar-lhes o guarda chuva, nos dias de chuva, para que não se molhem ao embarcar nos veículos oficiais.


A capacidade de criar benefícios próprios, mordomias e direitos é imensa por parte de nossas autoridades, que os detém em muito maior quantidade do que as autoridades de países bem mais desenvolvidos e ricos que o nosso. Em outros países, mais desenvolvidos, Ministros de Estado vão para o trabalho de metrô, de ônibus, de bicicleta. Moram em suas próprias casas e não em residências funcionais com tudo pago.


Na maioria dos países desenvolvidos as autoridades viajam, exclusivamente, a serviço em aviões de carreira. Aqui, viajam a serviço e em viagens particulares, com as famílias e amigos, em aeronaves do governo.


Quem desconhece a miséria do nosso povo e fica conhecendo a vida de uma autoridade brasileira, deve imaginar que somos um dos países mais ricos do mundo.


Muitas autoridades que ocupam cargos públicos possuem padrão de vida superior a de grandes empresários nacionais que, com seus impostos escorchantes, bancam a vida de luxo destas autoridades.


O país com um déficit orçamentário, neste ano de 2020, da ordem de 800 bilhões de Reais, não pode continuar mantendo este padrão de vida de nossas autoridades, tendo que se endividar ou emitir moeda para continuar bancando despesas novas, criadas todos os dias por aqueles que não necessitam produzir riquezas para delas desfrutar.


Da forma como temos seguido nas últimas décadas, governados por uma cleptocracia instalada nos três poderes da República, como reconheceu há algum tempo, publicamente, um ministro da mais alta corte do país, algumas autoridades parecem imaginar que se lhes permite tudo, que o vício se autoriza, que o crime se justifica e que a vaidade faz parte integrante do cargo, no desempenho do qual algumas delas já perderam o pejo, a honra, a verdade e a consciência.


A vaidade se mostra nos pareceres rebuscados que tentam esconder alguma verdade trágica que irá impactar negativamente nas populações, mostrando-a como uma concessão benéfica do Estado; nas sentenças ininteligíveis que buscam absolver culpados ou defender o indefensável; nas leis aprovadas na calada da noite, sem ouvir as populações interessadas e que visam favorecer grupos ou então prejudica-los.


A vaidade se mostra na forma como se protegem corporativamente, impedindo o andamento de inquéritos ou arquivando-os por decurso de prazo.


O Brasil da atualidade não pode mais conviver com este tipo de autoridade, que busca servir-se e não servir. O povo precisa entender, de uma vez por todas, que só ele pode mudar uma situação de descalabro como esta, que chegou até onde chegou por seu exclusivo descaso. A própria Carta Magna de 1988, menciona em seu parágrafo primeiro do artigo primeiro:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:


Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo meu).


Não podemos continuar colocando no parlamento, como nossos representantes, cidadãos sem a menor condição intelectual e moral que, ao invés de desejarem o nosso progresso e a nossa ordem, pugnam pela desordem do quanto pior melhor, pelo conluio contra os eleitores, pelos seus exclusivos interesses particulares e grupais, pelas negociatas e maquinações lesivas ao tesouro nacional.


As próximas eleições, previstas para o mês de novembro, serão um termómetro a nos mostrar se já nos curamos do vírus do descaso, da displicência, da incúria e da indiferença.


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